terça-feira, 31 de julho de 2018

O Eterno Exercício da Crença

Ás vezes acordo mal, com vontade de cumprimentar as pessoas com um "Bom dia, humanos!", como se eu não fosse ou não me considerasse um deles, algo diferente como um animal selvagem, um monstro ou algo estranho, talvez um alienígena, um forasteiro, alheio às suas rotinas humanas. Apesar de eu me sentir pior que eles, isso soa arrogante de minha parte, talvez porque ser humano não seja assim tão bom quanto se gabam os "filhos do Dono", herdeiros bíblicos deste mundão que Deus Pai lhes garantiu no Gênesis.

Hoje acordei melhor, pensando em cumprimentar as pessoas com um "Olá, outros humanos!", como se eu tivesse abandonado o tal modo da ignorância aversiva ao que sou, e tivesse me igualado à maioria da humanidade no modo das paixões por quem são e pelas coisas que existem neste mundo. Só espero não me apegar demais às sensações agradáveis a ponto de me tornar possessivo, invejoso ou ciumento como algumas pessoas viciadas nesta realidade transitória.

Nesta quarta-feira de cinzas do ano de 2018, tive a experiência do modo da bondade, da boa vontade em relação à existência. Pessoas que costumavam me irritar por seus maus hábitos passaram a me inspirar piedade pelo seu sofrimento autoimposto. A consequência disso foi uma plena paz de espírito, livre de preocupações cansativas, o que garantia tanta disposição e entusiasmo que passei a dormir apenas 4 horas, acordando disposto para os afazeres diários. Sentia o contentamento por estar vivo e ter garantido pelo menos o suficiente para viver bem, apesar de todas as dificuldades. Uma análise clínica talvez me desse o inusitado diagnóstico psicológico de fase maníaca de um transtorno bipolar cuja fase depressiva durou décadas.

Não temos muito o que fazer com nossas emoções, mas descobri que podemos mudar nosso estado de espírito, o que afeta indiretamente nosso ânimo, bastando decidir mudar nosso tipo de crença, por exemplo, de um conjunto de crenças com viés negativo (relativas ao que falta, ao que se perdeu e ao que não existe ainda) para crenças mais positivas (relativas ao que somos capazes, ao que é possível e a assumir desafios). A partir daí, mágoas podem dar lugar a saudades, pileques podem dar lugar ao entusiasmo, desconfianças podem dar lugar à prudência, indignação pode dar lugar à coragem, e preocupações podem dar lugar ao carinho. É como se escolhêssemos amar outra coisa além de nós mesmos, nos apaixonando por um sentido maior do que nossas vidas. Sim, é uma escolha, uma decisão pessoal que pode alterar toda a natureza da realidade para nós, ainda que o mundo material pareça continuar o mesmo de sempre. E apesar de soar como algo simples, precisa ser exercido a cada momento, e está sujeito à nossa opinião sobre as coisas que acontecem conosco, podendo voltar ao que já foi muito facilmente.

Não posso dizer que um modo de crer seja pior ou melhor que os outros, já que ser bem-sucedido quando se espera o pior é como vencer no modo mais difícil, contra todas as dificuldades, porém, se não conhecemos os modos de crer mais otimistas, podemos facilmente sucumbir, desistindo de continuar vivos. Portanto, se precisar ajudar alguém deprimido apesar de tudo de bom que acontece na vida dessa pessoa, elogie o fato dela ter sobrevivido apesar de "jogar (viver a vida) no modo hard". Então você poderá mostrar que há outras formas de encarar a mesma realidade.

Mas quem sou eu para dizer que depressão tem "cura" e não "remédio"?

quinta-feira, 26 de julho de 2018

A Ilusão do Autoproprietário

O Liberalismo Econômico clássico se baseia na premissa ética do Direito Natural, de que somos autoproprietários de nossas vidas e que, portanto, temos todo direito à autodefesa razoável de nossas propriedades contra quaisquer agressões (Princípio da Não Agressão e Direito de Autodefesa).

Porém os títulos de "proprietário" ou "dono" de algo nunca serão absolutos, tendo mais a natureza de cargos transitórios ou títulos de nobreza, visto que não temos pleno domínio nem de nossos próprios corpos, sujeitos que estamos às suas involuntariedades fisiológicas internas e à coerção externa por parte dos corpos de outras pessoas e por parte das contingências ambientais.

Tanto é assim que nascemos incapazes e dependentes de cuidadores e precisamos de tutores até adquirirmos autonomia e domínio suficiente para sermos considerados capazes para a vida civil, capacidade esta que pode ser abalada e suspensa facilmente por qualquer reação emocional mais intensa a algum estressor ou pela ingestão de qualquer substância entorpecente, como algumas doses de álcool por exemplo, suficientes para interditar uma pessoa, ainda que transitoriamente.

Melhor seria, então, nos considerarmos (auto-)"arrendatários" ou (auto-)"zeladores", responsáveis por nós mesmos e pelos bens jurídicos que conquistamos ou herdamos e mantemos, com plenos direitos sobre aquilo que zelamos e sujeitos à suspensão, ainda que transitória, desses direitos de autodefesa sobre aquilo que negligenciamos, assim como a Lei natural e eterna do universo retira a saúde dos organismos que não se cuidam, tornando-os obesos ou doentes, e conforme a Lei divina de que nossa existência neste mundo é transitória e de que a vida é uma dádiva cujos frutos devem ser merecidos ou recebidos e cuidados com gratidão.

Sob esta perspectiva, o próprio Direito liberal-econômico de Autodefesa passa a ser um Dever irrenunciável de cada Autozelador, inclusive no sentido de lutar contra pequenas agressões diárias, por parte dos Poderes do Estado e dos Conglomerados Corporativos, com as quais tenha se acostumado e se acomodado de forma conformista.

As comunidades de Autozeladores devem ser capazes de colonizar qualquer mundo como se fossem nativos desta Realidade material, embora imbuídos de espírito sânito e com as almas livres de deficiências afetivas, convivendo em harmonia celestial por meio de dádivas, acordos, negociações e disputas justas.